quinta-feira, 25 de abril de 2013

Três Portos e Quatro Cumes

Navegação e escalada na região de Paraty (Saco do Mamanguá) e Pedra do Baú (Serra da Mantiqueira)

Fotos: Dennis Julian e Ruddy Proença
Texto: Dennis Julian


Desde a primeira vez que li um livro do Amyr Klink, a cidade de Paraty representa uma referência na navegação. O próprio autor classifica essa baía e a de São Francisco, como as melhores no Brasil para vela e navegação. Concordo. Mas às do Paraná só ficam de fora da lista, devido suas baixas profundidades. Elas são preservadas e selvagens como nenhuma outra. E possuem uma geografia única. Favorecendo o vento e a força da maré, ideal para o nosso estilo de navegação.

E foi investigando as características destas regiões, que quando vimos estávamos na Rodovia Rio-Santos, com dois caiaques em cima do carro, singrando quilômetros atrás das águas cristalinas de Paraty. Mas seria esta a baía perfeita?

Viajem tranqüila, cheia de curvas, de lombadas, de cidades no caminho, ás vezes cansativa, mas bela. Chegamos em Paraty e escolhemos bem onde dormir e partir. Encontramos um hostel na beira da praia. Muitos gringos. Um nó na cabeça depois da viajem. E uma caipirinha para cada hospede relaxar, servida na beira da praia. Agradecemos. Fomos em busca de um rango e dormir, foco no objetivo.

 Partindo de Paraty na conversa com dois sábios marinheiros

Dia perfeito de sol. Tomamos dois cafés da manhã. Um por nossa conta e o outro pela do albergue, que foi servido novamente na beira da praia, ao lado dos caiaques. Partimos vendo os gringos pisando na areia clara desta acolhedora prainha paratiense.

Na água

Rumamos para a Ilha da Bexiga e ali fizemos os últimos ajustes na carga. Planejávamos ficar quatro ou cinco dias no mar. Estávamos auto-suficientes carregando suprimentos, mantimentos e água. No roteiro estava o Saco do Mamanguá e as praias do Pouso da Cajaíba.

Puxando os caiaques para a água na praia de Paraty

 Da ilha fomos comer uma laranja na praia de Jurumirim, sítio do Amyr Klink. Lugar sensacional, onde qualquer um fica a vontade. E a casinha do “hómi” ali, quietinha e preservada. Sempre desejei chegar lá.

As águas deste mar são cristalinas, de uma transparência incrível. Nestes dias estavam ainda mais claras. Era possível ver os peixes passando por baixo do caiaque. Distraia-me olhando ao redor e para baixo também.

Contornamos a Ponta Grossa e avistamos a praia Vermelha e a da Lula. Mas foi a Ilha do Catimbáu, localizada em frente destas praias, que nos atraiu. Esta pequena ilha de pedras já foi um restaurante, daqueles bem exóticos e caros. Era gerenciado por uma estrangeira, que chegou no Brasil velejando, e um brasileiro. Estiveram ali por muitos anos, até o Ibama embargar a ilha que está localizada dentro de uma Área de Proteção Ambiental (APA do Cairuçu), em 2012. A história vai além, mas o que vale é que a estrutura ficou toda lá. Cozinhas, banheiros, chuveiro, tudo o que utilizaríamos alguns dias depois, fugindo de um temporal.

Ilha do Catimbáu e a Comprida, logo atrás

 Depois de um mergulho no mar azul, seguimos para o Saco do Mamanguá, passando pela Lagoa Azul e o Saco da Velha. No começo da noite encontramos uma praia para pousar. Antes da viajem tínhamos a dúvida de como seria dormir por ali. Será que seríamos bem recebidos? Haveria restrições nas praias particulares? Bom, impossível ser mais bem recebido. Nesta noite dormimos embalados na prosa do Benedito e da Maria, e o dos cães Roy e Tigresa, que dormiram encostados na barraca.  E de repente os gringos, o agito de Paraty e o asfalto haviam ficado para trás. Entramos na cultura híbrida do povo local. Das suas histórias e sabedorias.

O Saco do Mamanguá

Paraty ficou isolada do Brasil, por terra, até a década de 50. Quando foi construída a Estrada Paraty-Cunha, sempre precária. A Rodovia Rio–Santos só saiu na década de 70 (viajei nela com meus pais, quando ia boa parte pela areia). Por isso toda a região da Juatinga, que compreende esse trecho que navegamos, ficou preservada culturalmente. Não há luz, se não por energia solar, ou geradores. Vida roots. E vimos morador bater no peito e dizer: “sou caiçara!”.

 Saco do Mamanguá, na Reserva da Juatinga, Paraty / RJ
 
Acordamos de frente para o Pão-de-Açúcar do Mamanguá, uma montanha de 400m, com um cume rochoso e marcante na paisagem. Iríamos subir ele apenas no dia seguinte, depois de percorrer o canal inteiro. O Saco do Mamanguá é considerado o único fiorde brasileiro. Tem 8 km de extensão e aproximadamente 1 km de largura. O seu extremo é formado por mangues e rios cristalinos, que levam rapidamente a cachoeiras adentro da serra do mar.

Começamos o dia na maior velejada e assim percorremos toda a extensão do Saco. Era a estréia da vela do Ruddy. E que estréia, hein? Seu modelo é com mastro e retranca e a minha é uma vela em V (universal). Funcionou bem, num certo momento clipamos os caiaques, transformando eles em um catamaram. Um maluquinho conduzindo “outro” veleiro veio em nossa direção aplaudindo e gritando eufórico: “Demais! Á vela de vocês, é clássica, é clássica!”. E fomos delirando no vento, no sol, na paisagem e na paz, até o encontro com a bela cachoeira, rio acima, no pé da Serra do Cairuçu, para tirar o sal.

Velejando com os caiaques em forma de catamaram. Ótimo desempenho

Passamos a noite na Vila Cruzeiro, aos pés do Pão-de-Açucar do Mamanguá, no camping do Pastor Orlando. Chegamos sem ninguém por ali, só pela manhã fomos conhecer o cara que desbancou o coreano. Quem ouviu falar da história sabe. Acho que só o próprio Orlando para contar o porque, quem e como explodiram a casa do..., como falava o Benedito: “coroâno”!.

Dali parte a trilha para o cume. Cerca de uma hora de caminhada e se chega no topo. Visão privilegiada. Foi muito legal subi-lo no meio de uma viajem de caiaque. Bom para as pernas, para o cardiovascular e para ver de cima por onde navegamos. Um presente. Lá foi o único lugar que tivemos sinal de celular. E depois de dar um oi em casa, nos conectamos a Internet e tivemos a certeza de que o clima ia mudar, e logo. Uma frente fria se aproximava. Mas uma janela de bom tempo vinha em seguida e isso fortaleceu o projeto de escalar na Pedra do Baú, antes de voltar para casa.

 
 Cume do Pão-de-Açucar do Mamanguá

Voltamos em dois dias de chuva e um pernoite, na Ilha do Catimbáu. Navegação e velejada num vento enjoado e numa paisagem cinza, bem diferente a da chegada. No final do segundo dia da volta, partimos para a São Bento do Sapucaí. Estávamos felizes por ter estado ali. Aprendemos muito nesses quatro dias de remo e vela, em Paraty.

Do mar para a montanha

Fazer a transição do mar para a escalada não foi fácil. E o Baú instiga a vertigem. Mas contornamos os medos e chegamos escalando nos cumes do Baú, Bauzinho e Ana Chata. Sabor especial para o parceiro que apesar de viajante rodado e escalador nato, não conhecia a Pedra do Baú.

Via Normal do Baú, segunda cordada

 Conclusão: depois de remar e conhecer a região, concluímos que Paraty não tem o clima selvagem que temos nas águas das baías do Paraná, mas ela tem uma água cristalina que aqui não temos. O povo local é tão gente boa como os daqui. São uns shows à parte. Quanto a  remar e escalar na mesma trip, foi ideal! Agora vamos pensar em fazer primeiro a escalada, para depois relaxar no remo e na vela.

Pedra do Báu, Serra da Mantiqueira, São Bento do Capucaí / SP

 
Valeu, Ruddy!
E a família que sempre nos apóia.

É NOISE!

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

1000 kms em Caiaques pelas Baías Selvagens do Paraná

Fotos: Ruddy Proença, Dennis Julian, Ermínio Gianatti, Jefferson Rodenwald e Ingo Möller.
Texto: Dennis Julian


O estado do Paraná tem uma divisão bem marcante no seu litoral. Está praticamente repartido no meio. A metade sul foi tomada por municípios e balneários. E a metade norte ficou preservada. Tanto na parte ambiental, como cultural.
Descobri este paraíso primeiro pedalando, depois indo de moto e vez ou outra da janela do avião. Cada vez mais com a certeza de que ali era “o lugar”. Mas precisava ir para a água. E foi lendo um livro do Paulo Leminski, Distraídos Venceremos (e também lembrando da Pedra do Baú), que este dia chegou.

Pensei em reservar para a vida, quando já não agüentasse mais subir montanhas com minhas próprias pernas, a remada e a vela. Mas bem antes disso, que sorte por sinal, sentei num banco de caiaque e parti para a primeira trip.

Nessa, graças à tecnologia, estava em um caiaque equipado com rádio marítimo VHF, GPS, barômetro, termômetro, biruta, banheiro (uma garrafa pet), radinho com música e muito espaço para carga. Mas o equipamento que até hoje mais se destaca nesta embarcação (se falar só “caiaque” fica pejorativo), é a vela. Cerca de 35% desta aventura de 1000km, foi concluída velejando. Tiveram dias que velejamos 25 km.

Outro suporte fundamental foi a Internet (Google Earth), trabalhando junto com o GPS. Sem ele com certeza não faria o que fiz. Através dele também conseguíamos medir as distâncias. E com anotações saber o quanto rodamos. Tudo está registrado em fotografias.


No mar

A expedição, de contexto recreativa exploratória, começou em Antonina, em 2010. Diversas ilhas, rios e a parte oeste da Baía de Paranaguá, foram se desvendando. Ali se forma um verdadeiro parque litorâneo, de frente à cidade. A visão das montanhas nessa região é fantástica.

Entre as aventuras por ali: descemos e voltamos de Morretes à Antonina, pelo Rio Nhundiaquara. Também o Rio do Nunes, Rio Cachoeira e Rio Cacatu, todos ida e volta, desde Antonina. Criamos o Circuito Central de Antonina, que parte da Ponta da Pita, rumo as Ilhas do Teixeira, Gererê e do Lamins. Voltando pelas vilas Eufrasina, Europinha e Ilha da Ponta Grossa, no total de  27km. Circuito exigente e preferido para os  treinos de um dia.

Logo descolei mais um caiaque para poder convidar os amigos. Com o Ermínio Gianatti  partimos de Pontal do Paraná (com um mar horrível) para a Ilha do Mel. De lá para a Ilha de Superagui e depois até Guaraqueçaba, onde desisti com lesões. Voltei na região com o Ruddy Proença. Mas desta vez partimos do Rio Tagaçaba e fomos, numa viagem de uma semana, até a boca do Canal do Varadouro. De lá voltamos visitando a Baía dos Pinheiros, a RPPN do Sebuí, Guaraqueçaba, os Rios Serra Negra e Asungui, a Enseada do Brito e a Serra do Tromomó.

Com o Jefferson Rodenwald, que já tinha experiência no mar, mas não em caiaques, demos a volta na Ilha do Mel, em 9hrs (30km). Circunavegação casca grossa devido à condição do mar. Foi PUNK e o parceiro se superou. Encontramos vagalhões de mais de 2 metros, perto da Gruta.

Dessa já emendamos mais um giro de uma semana. Partimos de Paranaguá rumo a Ilha de Superagui, e de lá voltamos, só que por Guaraqueçaba. Visitamos a Ilha do Pinheiro (casa do papagaio-de-cara-roxa), a Reserva do Sebuí, a Ilha Rasa, a da Banana e as enseadas do Itaqui e do Tambarutaca. Realizei mais três viagens sozinho, de uma semana cada. Dias intensos de muito aprendizado e superação. Vendo minhas inexperiências se tornando experiências.


Roubadas. O que mais pegou?

Foi na trip que finalizou os 1000 kms, que vivenciamos a pior roubada. Estávamos chegando na Ilha da Banana, para o último bivaque. A correnteza estava muito forte. Arrastava para o mar aberto e já estava quase à noite. Olhei para o GPS, faltava somente um quilômetro. Quando olho para o caiaque do parceiro, vejo que está virado. Foi uma luta o regate. O problema aconteceu no equipamento, por pouco não nos demos mal. Graças à calma dele e a nossa determinação, chegamos em terra. Ufa!

As questões mais difíceis de lidar nessa região, independente da técnica de navegação (resgate, etc), são os mosquitos e o calor do verão. Algumas porções selvagens e pouco habitadas, tornam o isolamento outro fator. 

O pior “ser vivo” que existe ali é o mosquito “porvinha”. E o melhor é o povo local. Que leva uma vida pacata, sem pressa. É acolhedor e prestativo. Sempre nos recebendo com sorriso. Convidando para um café. E sedentos para ouvir nossas histórias (roubadas). Mas são eles os grandes mestres deste mar. Que cantam em prosas e trovas no “fandango”, suas histórias para nós. 

Um dia me pego lembrando de um veado, que flagrei ao longe tomando água na praia.
Outro, de um cachorro-do-mato, que vimos fazendo o mesmo à noite.

Mas escolho, para fechar essas recordações, a lembrança do amigo Elias, que fizemos lá em Guaraqueçaba. E de todo aquele povo de “alma branca”, que vive nesse paraíso. E compartilha dificuldades e satisfações, nesse pedaço de mar. Bem perto daqui.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Escalada: a Diretíssima do Abrolhos - Marumbi (VIIa E3 260m)

Fotos: Dennis Julian
Texto: Dennis Julian
Máquina: Celular Nokia


A Diretíssima do Abrolhos, é um itinerário de acensão, que vence a face NE (noroeste) do Pico do Abrolhos. Abrupto cume que se destaca no Conjunto de Montanhas do Marumbi, na Serra do Mar do Paraná.

Esta escalada foi idealizada nos anos 90, com a conquista da via Viagem a Ixtlan (6ºsup, 40m E3), no Segundo Degrau. Possibilitando assim unir o Paredão Preto ao Parque do Lineu e consecutivamente ao cume. Criando um acesso com mais escaladas, do que caminhadas.

Equipo pronto. O Alexandre Speed, parceiro da trip, motivado e feliz. Ele também desejava esta escalada há tempos. Tudo certo! Mas quase ficamos a ver navios quando uma das motos falhou na estrada. Sorte que a sorte tava por ali e tudo se resolveu.


Na montanha
Acordamos cedo e partimos rumo ao Paredão Preto. Começamos a escalada pela via Cristal Negro (VIIa,120m E1). Logo que chegamos na base da parede, com as primeiras luzes do dia, vimos o céu carregado de nuvens altas, cor de chumbo, coloridas pelo nascer do dia. Anuncio da entrada de uma frente fria. Mas a previsão garantia que a chuva só chegaria à noite.

Os berros enlouquecidos dos bugios também anunciavam a mudança climática. E parecia que seria logo. Por isso escalamos atentos ao clima. Outro elemento que estava presente era o vento. Ainda que esta face esteja protegida do sudoeste, que entra junto com os sistemas de baixa pressão.

Vencemos a Cristal Negro (Paredão Preto) nos deliciando com seus incríveis regletes. Esmagando a pele dos dedos, felizes. Vendo o sol nascer. No mais puro estilo de escalada “marumbina”.

O próximo passo era vencer o acesso pelo trepa-mato, até o Segundo Degrau. Esta parte foi até tranqüila para encontrar e saímos certinho. Na base da via.

Fizemos o primeiro lanche e só aí demos falta da blusa do Speed, que se agarrou em um arbusto da floresta, talvez logo abaixo. Mas onde?



Toca “pra riba” pela via Viagem a Ixtlan. A clássica deste setor. Um diedro perfeito que fica negativo no final. E logo após a parada, mais uma cordada numa travessia diagonal. E daí sim a gente chega na floresta que liga ao Parque do Lineu. Esta é mais chatinha que a primeira e saímos “quase” no Parque.

Hora do almoço, com lanche no pé do via Enferrujado (V A0, 100m E1). A última do dia. E a definitiva. Era ganhar ela e beijar o cume.

Mas não é bem assim. O cansaço bateu “nos magrão”, o ritmo caiu depois do rango  e demoramos um pouco para encontrar aquele ritmo.

Esse “climb” foi ainda antes da  re-grampeação e os lances de laçar (a la cowboy) os grampos no A0, da segunda cordada, eram demorados e chatos. Mas lembrávamos, com emoção, dos antigos desbravadores desta montanha histórica. Que ali passaram há 50 anos, com muita coragem. Agora os grampos foram substituídos por chapas e os lances podem ser escalados em livre. Sem o risco de cair e se machucar no paliteiro.

Quase no cume
Depois do Platô da Vitória lidamos com mais uns lances de trepa-mato, que liga o platô ao cume. E este trecho também teve seu sabor. Logo depois que se escala uns metros no mato vertical, faz-se uma travessia por cima da saída da Fenda Principal. Só de saber onde se está, já dá para procurar um fiapo de mato para colocar uma proteção.

Chegamos um pouco antes do pôr-do-sol, no cume do Abrolhos. Foram 8hrs de escalada.



Este itinerário pode ser escalado por outras vias, que possibilitem o acesso ao cume. Existem diversas novas conquistas, e a escolha fica por conta da bala que o cleinte pode gastar. Escolhemos as mais fáceis, mas no Marumbi nada é muito fácil, muito barato.

Foi uma escalada clássica. Um dia intenso na montanha. Aprendemos muito. Grudados como pulgas na rocha. Vendo as cores do céu mudar durante o dia, trocando de tons como o couro de um camaleão.

No meio da noite, quando dormíamos acomodados na vila, começou a chover.

E num tá bão?

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Cicloturismo: 400kms pelo litoral paranaense

Fotos: Dennis Julian
Local: Estradas da Graciosa / Limeira / Guaraqueçaba
Máquina: Sony DSC-W130

No alto da Estrada da Graciosa, PR. Bike carregada para a missão.

 Rumo ao Rio Cacatu, primeira pernoite.

Na cabine da magrela.

Pneu furado e no visual o Pico Paraná (Serra do Ibitiraquire).

Muita chuva e calor acompanharam esta trip. No termômetro: 42.7C.

Bivaque na Serra da Baitaca, antes do último trecho da volta.

 Companhia do amigo Carlinhos no trecho Porto de Cima / Morretes

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Circunavegação da Ilha do Mel, em caiaques (30kms, 9hrs)

Fotos: Jefferson Rodenwald e Dennis Julian
Texto: Dennis Julian
Máquinas: Celular 5830Nokia e Canon Aquática


Antes da volta
Acordamos na casa de um amigo. O dia de sol e uma dupla de caiaques de fibra, sugeriram uma aventura.

- Levamos os caiaques desde a Prainha, até a Praia de Fora. E vocês trazem de lá, para cá. Topam? – indagou nosso amigo.

À parte deles foi simples. Partiram de uma praia calma, secos e nos entregaram os caiaques numa praia cheia de arrebentações e na areia (Praia de Fora, em Encantadas). Nós tivemos que partir dali. Na primeira onda meu caiaque encheu de água (estava sem uma tampa de vedação), perdeu muita sua instabilidade e afundou no mar. Só restou uma pontinha para fora, onde  segurei, agarrado ao caiaque do meu amigo. Que me rebocou.

Estávamos justo na frente da gruta, no pior mar do Paraná. Ele, talvez pela inexperiência em aventuras como essa, deu tudo além de si, para lutar contra a corrente. Resultado: acabamos naufragados no meio de umas pedras, onde ele caiu estafado e vomitando. Mas depois de descansados, concluímos a aventura. É, e ainda conseguimos recuperar o caiaque afundado.


Anos se passaram até que adquiri o meu primeiro caiaque de “verdade”. E a Ilha do Mel? Sempre nos planos.

Fui sozinho, entrei no canal vindo de Pontal do Sul, rumo a Ilha do Mel. Obviamente o mar estava daquele jeito. Cheguei até a bóia de passagem e numa ação errada, consegui capotar (virei na água) o caiaque justo na frente de um navio. Incrivelmente, com muita calma, me safei e voltei a bordo. Uma barca de passageiros ficou assistindo tudo. Quiseram prestar socorro, do qual neguei, por desconsiderar necessário. Tava tudo bem, apesar do susto.

Ainda tive outra experiência radical nesse canal, junto com o outro colega. Quando partimos de Pontal, até Guaraqueçaba, via barra do Superagüi (encrenca total). O vento sul rugia na nuca e no ouvido direito. Nessa, fiquei até em “pânico”. Não queria comer, fiquei mal. Com os olhos arregalados. Uma comédia.

Dar a volta da Ilha era um sonho, um plano, uma meta. E com as remadas que se sucederam, tornou-se real.

Em agosto de 2012 realizamos a circunavegação da Ilha do Mel de forma perfeita. Aventura que nos exigiu todos os conhecimentos e nos somou mais um milhão deles.

O parceiro desta empreitada foi o Jefferson Rodenwald. Ele nunca havia realizado travessias e ainda por cima tínhamos um problema. O tamanho dele em relação ao caiaque. Outros imprevistos conseguiram secar ainda mais nossas bocas antes da partida. Mas, fomos!

E começa a volta


No primeiro dia apenas atravessamos para a Ilha. Aportamos em uma praia completamente selvagem, ao lado da Praia do Belo. E não chegamos sozinhos. Bandos de papagaios-da-cara-roxa, chegaram com a gente, em casais, e naquela algazarra. Os biguás, gaivotões, siris..., “os porvinhas” e outros mosquitos, chegaram também. Apesar disso uma fogueira, uma música e um bom vinho fecharam a noite.

Pouso perfeito. E um dia de sol começou a se despertar por trás da névoa que pairava sobre o Canal. Nesta praia, logo que chegamos, encontramos umas mesas de plástico e umas cadeiras. Que nos deram um conforto imenso. Nesse luxo, tomamos um café da manhã de gala.

Hora de ajustar o equipamento, equilibrar os pesos, ajustar a vela.


- Simbóra, man? Tá tudo certo, está confiante? Teremos que remar mais de 7km, até encontrar uma praia sem ondas que a gente possa parar. Você está ciente disso e de suas condições. Vamos?
- Ok, meu camarada. Foi! – disse ele muito empolgado, mas de acordo com a responsabilidade.


Partimos para uma circunavegação, no sentido anti-horário, da Ilha do Mel. Logo que saímos passamos por umas ondulações confusas, que vinham de todos os lados. Nisso vimos um pescador, vindo de fora do mar em nossa direção, numa canoinha, em pé. Isso nos passou confiança e fomos em sua direção.

Ele rebocava um peixe, muito grande. Que julgamos pesar cerca de 300kg. Do tamanho de dois homens abraçados. Um Mero? O pescador disse ser um “garopão”. Ele tava “adrenadásso” e com medo que a gente fosse da polícia. Algumas fotos que tiramos mostram essa cena. Talvez o seu maior prêmio como pescador, seja o seu maior crime também (para a lei).

Logo depois disso, já mais relaxados..., quase caímos para trás. Em poucas remadas o mar cresceu. Vagalhões de dois metros, dois metros e meio, jogavam a gente para cima e para baixo. Lembrei que foi justamente ali que afundei o caiaque naquela experiência. Será que esse é o nosso Cabo Horn, no Paraná? A nossa Ponta da Joatinga?

O pior é que agente olhava na direção do nosso rumo e via uma muralha de mar e arrebentação. Uma coisa sinistra e incompreensível.

- Será que vai rolar? Vixxe, Mar Ilha!

Nisso vimos um barco vindo do meio dessa batalha. Com gestos mostramos a direção para eles, pedindo que nos confirmassem a passagem. Eles gesticularam “ondas altas” com os braços. Mas incentivaram. Pois naquele momento a gente tava no mais crítico, voltar seria “quase” pior. Fomos e vimos outro barco vindo. Sendo açoitado pelas ondulações. Mas nos encorajando ainda mais em seguir a rota.

- Uhuuuuu. “Put keep are you”. Conseguimos. Dáá-le!


O mar acalmou um pouco, agora era concluir a volta. À distância percorrida até aí era pequena. Mas a maior dificuldade havia ficado para trás. Estávamos em frente à Ponta da Inhapina. Então vieram as praias do Miguel, de Fora, do Farol, do Forte e o primeiro descanso com os pés em terra, o único da circunavegação. Foram 15 kms até aí. A metade e também a parte mais difícil.

Desembarcamos em frente de uma sede abandonada da Marinha. Estremo norte da Ilha, de frente para a Ilha das Peças. Como usamos caiaque com velas, esse trecho foi bastante agradável, com um vento perfeito para o velejo. Percorremos uma boa distância e rapidamente voltamos ao Canal da Galheta. Era o pôr-do-sol. Estávamos na vila Ponta Oeste, da Ilha do Mel. Compramos cerca de 30 ostras, colhidas naquele momento por umas pescadoras e rumamos em busca de uma parada.

Não saía da minha cabeça o conforto da praia selvagem de onde partimos. Suas cadeiras, a mesa, os papagaios. Mas para chegar lá tínhamos 8km de remada, no escuro. Nesse trecho estivemos próximos de um acidente. O velho risco de atropelamento por outras embarcações. Mas era um dia exclusivo para vitórias. E para nos saldar o mar aumentou a força do vento que vinha contra e a altura das ondas. Isso bem no final. Apenas para mostrar que a força da natureza é eterna. E é isso que nos faz forte.

Que remada sensacional. Alguns peixes-agulha pularam para dentro do caiaque. Salvei todos. Se a vitória é nossa, é deles também. Não suportava vê-los agonizando já que não tinha idéia de comê-los. E assim concluímos a volta em 9hrs, na mesma praia.


No total percorremos 30km de circunavegação. E o mérito ficou em grande parte para o meu companheiro, que com muito pouca experiência, completou a volta de forma brava.

Valeu parceiro e quem vai ser o próximo a encarar uma igual com agente?

domingo, 19 de agosto de 2012

Canoagem: alguns shots de trips nas baías do Paraná

O mar calmo da manhã dá inicio a mais uma saída ao mar, tendo ao fundo a Serra da Prata. Baía de Antonina / PR. Foto: Ingo Moller
 
Começando o dia na vela pelo Rio Superagui, no rumo de Guaraqueçaba. Parque Nacional do Superagui / PR. Foto: Ermínio Gianatti
 
Vento perfeito para relaxar o remo e passar a velejar. Baía de Antonina / PR. Foto: Ingo Moller
 
 Contornando pela frente da Vila Europinha, uma dos mais charmosos povoados do litoral do Paraná. Baía de Antonina / PR. . Foto: Dennis Julian
 

Bivaque na Enseada do Brito. Antes da subida dos Rios Serra Negra e Asungui. Guaraqueçaba / PR. Foto: Dennis Julian
 
 
Bóia na partida da Ponta da Pita, ao fundo dois navios carregando grãos no Terminal do Félix. Baía de Antonina / PR. Foto: Jefferson Rodenwald
 
Baía do Sebuí - Guaraqueçaba / PR. Foto: Ruddy Proença

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

De caiaque, nas baías selvagens do Paraná


Texto: Dennis Julian
Fotos: Dennis Julian, Ruddy Proença e Ingo Moller
Máquinas: Nikon (water resist), Sony A-200 e telefone celular.





A cada onda que domava, era golpeado por borrifos de água na cara. O caiaque se debatia entre as ondas e o vento. Aplicava uma força intensa nos remos, mas minha velocidade não ultrapassava de 2km/h. Cruel para uma travessia como aquela. Pelo cálculo do GPS, ainda demoraria 3hrs para chegar em terra. Muito tempo exposto ao mar e aquelas condições. Mas eu persistia.

Levantei cedo para aproveitar a correnteza da maré. O objetivo, nesta perna da viajem, era concluir a travessia Antonina / Guaraqueçaba (54 km), em quatro dias. Estava sozinho. Eu, muita água salgada, botos-cinza, tartarugas, atobás, colelheiros e a “sonzêra” rolando no ouvido. Mas naquele momento isso passou para um segundo plano. E só me concentrava em “chegar”.

Estava pela primeira vez atravessando o Saco do Tambarutaca, parte norte da Baía de Paranaguá. O vento que eu encarava de frente era o nordeste, que sopra em dias quentes a partir da tarde. Trazendo o que tiver pra trazer. Tempestade com raios, rajadas, ondas. O que tiver na rota. É um vento temido pelos pescadores. Comprovei isso numa atitude desesperada.

Sabia que já havia ido além das minhas expectativas para aquele dia. O que era para ser uma navegação tranqüila, se transformara numa guerra há horas. Então vi uma canoa com dois pescadores vindo em minha direção. Estavam a favor do vento e das ondas. Pedi ajuda já mostrando um cabo para o reboque. O pescador gritava, dizendo ser muito arriscado parar ali. Tinha medo que uma onda o encobrisse pela popa e se foi. Muito rápido, como o vento.

Então, compreendi a situação.

Ou seja, só me restava resistir e cumprir o meu turno de trabalho, pacientemente.

Desta maneira cheguei em terra, próximo a Ponta da Cruz. Apenas 1km da Ilha da Banana, meu objetivo. Que não consegui atingi-lo. Cheguei a tentar, mas o vento e o mar não deram trégua. Estava esgotado física e psicologicamente. Sentia-me sozinho. Hora de se acalmar, se alimentar, hidratar-se.

A tempestade que o vento assoprava em minha direção, havia se dissipado e o sol voltou. Encontrei uma casa de pescador abandonada e armei minha barraca - principal proteção contra os mosquitos. Mesmo com a situação controlada, não resisti ficar. Sentia-me isolado, numa imensidão selvagem. Precisava me preparar melhor para voltar mais forte.

Desmontei o acampamento, arrumei tudo no caiaque e voltei pelo mesmo mar. Talvez um pouco mais calmo, mas desta vez a favor do vento e das ondas. Neste dia somei  43 km navegados. Umas dez horas na labuta do remo.

Não havia desistido desta travessia e uma semana depois estaria lá, novamente. Só que desta vez dormindo na cova do excepcional bloco de bolder, na Ilha da Banana. Mais uma vez sozinho, mas muito feliz e seguro de si.

Canoagem

Comecei navegar em caiaque, em 2010. Num verão chuvoso que mal dava para pensar em escalar. Desde o começo, criei uma relação entre a canoagem e a montanha. Sempre buscando represas, rios e baías próximas a Serra. Minha principal motivação sempre foi conhecer lugares selvagens. A fauna, flora e cultura local. Cantinhos que só se chegam por água.

Uso um caiaque de plástico rotomoldado, estilo “pesca”, com fins únicos para exploração. Sua capacidade de carga ultrapassa 150 kg. Ótimo de estabilidade e equipado com vela. Cerca de 25% desta viajem foi realizada somente na vela. Diríamos: um micro-veleiro ou um super caiaque.

Um rolê nas baías do Paraná

Nesta temporada negociei com a “patroa” o alvará de soltura solicitado para as escaladas no sul. Viajaria o mesmo período que estaria lá, só que por aqui. E assim cumpri, no prazo de um mês, 350km de navegação pelas baías de Antonina, Paranaguá e Guaraqueçaba. 

Foram três etapas, intercaladas com voltas para a casa. Vinha estudar novas rotas, ver a família, dar uma folga na solidão e descansar dos pernilongos.

Carregava o GPS de “waypoints” e voltava ao mar. Para conhecer de perto tudo o que planejava na tela do computador. Esse vai e vem ajudou na aclimatação. Cada vez que lá voltava, embarcava com mais respeito e humildade. E o resultado disso foi: força!

Passei 12 dias viajando sozinho. Até que numa dessas voltas adquiri mais um caiaque. Então pude convidar o parceiro Ruddy Proença para a próxima etapa. Agora podíamos ir a fundo na exploração. Meu amigo, sempre motivado, insistia em conhecer as regiões mais selvagens da Baía de Guaraqueçaba. E assim ficamos viajando por cinco dias nesta região. Finalizando a exploração da Baía de Paranaguá e de suas principais entranhas.

Nesta “trip” partimos de Tagaçaba, descendo o rio com o mesmo nome, até a Enseada do Benito. Cruzamos esta e toda a Baía de Guaraqueçaba, até atingir a Baía dos Pinheiros. Trecho marcado pela presença de dois “furados” - canais que formam um labirinto exigindo conhecimento de quem os atravessa. Contávamos com a ajuda de um GPS.

Na primeira noite pousamos na Ilha do Pinheiro, 35km de onde partimos. Fomos lá ver de perto o papagaio-de-cara-roxa (Amazona brasiliensis), pássaro em extinção, que por ali vive em bandos. Depois seguimos para o Rio Sebuí. Uma reserva particular vigiada pelo Seu João. Pessoa incrível, patrimônio cultural e científico local. Ele nos contou em forma de poesia e de cantigas de fandango, histórias de bichos que vivem naquelas encostas quase que primárias de Mata Atlântica. Mostrou a pegada da onça e nos indicou o caminho das cachoeiras, da qual me nego dar dicas. (rsrs)

Finalizamos esta perna da rolê com 150km vencidos, em condições favoráveis. Visitamos ainda a Serra do Tromomó, onde namoramos por horas a sua parede. Subimos parte do Rio Serra Negra e Açungui, até onde não foi mais possível remar. Ficamos esses cinco dias com os celulares sem dar algum sinal, “fora da área de serviço, ou desligados”.

Alguns lugares visitados nestas expedições: Ilha do Barba, Ilha do Teixeira, Ilhas do Lamim, Ilhas Gererê, Ilha da Banana, Ilha do Corisco, Ilha do Amparo, Ilha do Pinheiro, Ilha Ponta Grossa, Ponta da Cruz, Rio Nhundiaquara, Rio do Nunes, Rio Cacatu, Rio Açungui, Vila Europinha, Vila Piaçagüera, Vila Eufrasina, Vila Tibicanga, Vila Canudal, Vila Bertioga, Praia do Ubá, RPPN do Sebuí e RPPN do Tromomó.