Navegação e escalada
na região de Paraty (Saco do Mamanguá) e Pedra do Baú (Serra da Mantiqueira)
Fotos: Dennis Julian e Ruddy Proença
Texto: Dennis Julian
Desde a primeira vez que li um
livro do Amyr Klink, a cidade de Paraty representa uma referência na navegação.
O próprio autor classifica essa baía e a de São Francisco, como as melhores no
Brasil para vela e navegação. Concordo. Mas às do Paraná só ficam de fora da
lista, devido suas baixas profundidades. Elas são preservadas e selvagens como
nenhuma outra. E possuem uma geografia única. Favorecendo o vento e a força da
maré, ideal para o nosso estilo de navegação.
E foi investigando as
características destas regiões, que quando vimos estávamos na Rodovia
Rio-Santos, com dois caiaques em cima do carro, singrando quilômetros atrás das
águas cristalinas de Paraty. Mas seria esta a baía perfeita?
Viajem tranqüila, cheia de
curvas, de lombadas, de cidades no caminho, ás vezes cansativa, mas bela. Chegamos
em Paraty e escolhemos bem onde dormir e partir. Encontramos um hostel na beira da praia. Muitos gringos.
Um nó na cabeça depois da viajem. E uma caipirinha
para cada hospede relaxar, servida na beira da praia. Agradecemos. Fomos em
busca de um rango e dormir, foco no objetivo.
Partindo de Paraty na conversa com dois sábios marinheiros
Dia perfeito de sol. Tomamos dois
cafés da manhã. Um por nossa conta e o outro pela do albergue, que foi servido
novamente na beira da praia, ao lado dos caiaques. Partimos vendo os gringos
pisando na areia clara desta acolhedora prainha paratiense.
Na água
Rumamos para a Ilha da Bexiga e
ali fizemos os últimos ajustes na carga. Planejávamos ficar quatro ou cinco
dias no mar. Estávamos auto-suficientes carregando suprimentos, mantimentos e
água. No roteiro estava o Saco do Mamanguá e as praias do Pouso da Cajaíba.
Puxando os caiaques para a água na praia de Paraty
Da ilha fomos comer uma laranja
na praia de Jurumirim, sítio do Amyr Klink. Lugar sensacional, onde qualquer um
fica a vontade. E a casinha do “hómi” ali, quietinha e preservada. Sempre
desejei chegar lá.
As águas deste mar são
cristalinas, de uma transparência incrível. Nestes dias estavam ainda mais
claras. Era possível ver os peixes passando por baixo do caiaque. Distraia-me
olhando ao redor e para baixo também.
Contornamos a Ponta Grossa e
avistamos a praia Vermelha e a da Lula. Mas foi a Ilha do Catimbáu, localizada
em frente destas praias, que nos atraiu. Esta pequena ilha de pedras já foi um
restaurante, daqueles bem exóticos e caros. Era gerenciado por uma estrangeira,
que chegou no Brasil velejando, e um brasileiro. Estiveram ali por muitos anos,
até o Ibama embargar a ilha que está localizada dentro de uma Área de Proteção
Ambiental (APA do Cairuçu), em 2012. A história vai além, mas o que vale é que
a estrutura ficou toda lá. Cozinhas, banheiros, chuveiro, tudo o que
utilizaríamos alguns dias depois, fugindo de um temporal.
Ilha do Catimbáu e a Comprida, logo atrás
Depois de um mergulho no mar
azul, seguimos para o Saco do Mamanguá, passando pela Lagoa Azul e o Saco da
Velha. No começo da noite encontramos uma praia para pousar. Antes da viajem tínhamos
a dúvida de como seria dormir por ali. Será que seríamos bem recebidos? Haveria
restrições nas praias particulares? Bom, impossível ser mais bem recebido. Nesta
noite dormimos embalados na prosa do Benedito e da Maria, e o dos cães Roy e
Tigresa, que dormiram encostados na barraca. E de repente os gringos, o agito de Paraty e o
asfalto haviam ficado para trás. Entramos na cultura híbrida do povo local. Das
suas histórias e sabedorias.
O Saco do Mamanguá
Paraty ficou isolada do Brasil,
por terra, até a década de 50. Quando foi construída a Estrada Paraty-Cunha, sempre
precária. A Rodovia Rio–Santos só saiu na década de 70 (viajei nela com meus
pais, quando ia boa parte pela areia). Por isso toda a região da Juatinga, que
compreende esse trecho que navegamos, ficou preservada culturalmente. Não há
luz, se não por energia solar, ou geradores. Vida roots. E vimos morador bater no peito e dizer: “sou caiçara!”.
Saco do Mamanguá, na Reserva da Juatinga, Paraty / RJ
Acordamos de frente para o
Pão-de-Açúcar do Mamanguá, uma montanha de 400m, com um cume rochoso e marcante
na paisagem. Iríamos subir ele apenas no dia seguinte, depois de percorrer o
canal inteiro. O Saco do Mamanguá é considerado o único fiorde brasileiro. Tem
8 km de extensão e aproximadamente 1 km de largura. O seu extremo é formado por
mangues e rios cristalinos, que levam rapidamente a cachoeiras adentro da serra
do mar.
Começamos o dia na maior velejada
e assim percorremos toda a extensão do Saco. Era a estréia da vela do Ruddy. E
que estréia, hein? Seu modelo é com mastro e retranca e a minha é uma vela em V
(universal). Funcionou bem, num certo momento clipamos os caiaques, transformando
eles em um catamaram. Um maluquinho conduzindo “outro” veleiro veio em nossa
direção aplaudindo e gritando eufórico: “Demais! Á vela de vocês, é clássica, é
clássica!”. E fomos delirando no vento, no sol, na paisagem e na paz, até o
encontro com a bela cachoeira, rio acima, no pé da Serra do Cairuçu, para tirar
o sal.
Velejando com os caiaques em forma de catamaram. Ótimo desempenho
Passamos a noite na Vila
Cruzeiro, aos pés do Pão-de-Açucar do Mamanguá, no camping do Pastor Orlando. Chegamos
sem ninguém por ali, só pela manhã fomos conhecer o cara que desbancou o coreano.
Quem ouviu falar da história sabe. Acho que só o próprio Orlando para contar o
porque, quem e como explodiram a casa do..., como falava o Benedito: “coroâno”!.
Dali parte a trilha para o cume.
Cerca de uma hora de caminhada e se chega no topo. Visão privilegiada. Foi muito
legal subi-lo no meio de uma viajem de caiaque. Bom para as pernas, para o
cardiovascular e para ver de cima por onde navegamos. Um presente. Lá foi o
único lugar que tivemos sinal de celular. E depois de dar um oi em casa, nos
conectamos a Internet e tivemos a certeza de que o clima ia mudar, e logo. Uma
frente fria se aproximava. Mas uma janela de bom tempo vinha em seguida e isso fortaleceu
o projeto de escalar na Pedra do Baú, antes de voltar para casa.
Cume do Pão-de-Açucar do Mamanguá
Voltamos em dois dias de chuva e um
pernoite, na Ilha do Catimbáu. Navegação e velejada num vento enjoado e numa
paisagem cinza, bem diferente a da chegada. No final do segundo dia da volta, partimos
para a São Bento do Sapucaí. Estávamos felizes por ter estado ali. Aprendemos
muito nesses quatro dias de remo e vela, em Paraty.
Do mar para a montanha
Fazer a transição do mar para a escalada
não foi fácil. E o Baú instiga a vertigem. Mas contornamos os medos e chegamos escalando
nos cumes do Baú, Bauzinho e Ana Chata. Sabor especial para o parceiro que
apesar de viajante rodado e escalador nato, não conhecia a Pedra do Baú.
Via Normal do Baú, segunda cordada
Conclusão: depois de remar e
conhecer a região, concluímos que Paraty não tem o clima selvagem que temos nas
águas das baías do Paraná, mas ela tem uma água cristalina que aqui não temos.
O povo local é tão gente boa como os daqui. São uns shows à parte. Quanto a remar e escalar na mesma trip, foi ideal! Agora vamos pensar em fazer primeiro a escalada, para
depois relaxar no remo e na vela.
Pedra do Báu, Serra da Mantiqueira, São Bento do Capucaí / SP
Valeu, Ruddy!
E a família que sempre nos apóia.
É NOISE!
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