quinta-feira, 25 de abril de 2013

Três Portos e Quatro Cumes

Navegação e escalada na região de Paraty (Saco do Mamanguá) e Pedra do Baú (Serra da Mantiqueira)

Fotos: Dennis Julian e Ruddy Proença
Texto: Dennis Julian


Desde a primeira vez que li um livro do Amyr Klink, a cidade de Paraty representa uma referência na navegação. O próprio autor classifica essa baía e a de São Francisco, como as melhores no Brasil para vela e navegação. Concordo. Mas às do Paraná só ficam de fora da lista, devido suas baixas profundidades. Elas são preservadas e selvagens como nenhuma outra. E possuem uma geografia única. Favorecendo o vento e a força da maré, ideal para o nosso estilo de navegação.

E foi investigando as características destas regiões, que quando vimos estávamos na Rodovia Rio-Santos, com dois caiaques em cima do carro, singrando quilômetros atrás das águas cristalinas de Paraty. Mas seria esta a baía perfeita?

Viajem tranqüila, cheia de curvas, de lombadas, de cidades no caminho, ás vezes cansativa, mas bela. Chegamos em Paraty e escolhemos bem onde dormir e partir. Encontramos um hostel na beira da praia. Muitos gringos. Um nó na cabeça depois da viajem. E uma caipirinha para cada hospede relaxar, servida na beira da praia. Agradecemos. Fomos em busca de um rango e dormir, foco no objetivo.

 Partindo de Paraty na conversa com dois sábios marinheiros

Dia perfeito de sol. Tomamos dois cafés da manhã. Um por nossa conta e o outro pela do albergue, que foi servido novamente na beira da praia, ao lado dos caiaques. Partimos vendo os gringos pisando na areia clara desta acolhedora prainha paratiense.

Na água

Rumamos para a Ilha da Bexiga e ali fizemos os últimos ajustes na carga. Planejávamos ficar quatro ou cinco dias no mar. Estávamos auto-suficientes carregando suprimentos, mantimentos e água. No roteiro estava o Saco do Mamanguá e as praias do Pouso da Cajaíba.

Puxando os caiaques para a água na praia de Paraty

 Da ilha fomos comer uma laranja na praia de Jurumirim, sítio do Amyr Klink. Lugar sensacional, onde qualquer um fica a vontade. E a casinha do “hómi” ali, quietinha e preservada. Sempre desejei chegar lá.

As águas deste mar são cristalinas, de uma transparência incrível. Nestes dias estavam ainda mais claras. Era possível ver os peixes passando por baixo do caiaque. Distraia-me olhando ao redor e para baixo também.

Contornamos a Ponta Grossa e avistamos a praia Vermelha e a da Lula. Mas foi a Ilha do Catimbáu, localizada em frente destas praias, que nos atraiu. Esta pequena ilha de pedras já foi um restaurante, daqueles bem exóticos e caros. Era gerenciado por uma estrangeira, que chegou no Brasil velejando, e um brasileiro. Estiveram ali por muitos anos, até o Ibama embargar a ilha que está localizada dentro de uma Área de Proteção Ambiental (APA do Cairuçu), em 2012. A história vai além, mas o que vale é que a estrutura ficou toda lá. Cozinhas, banheiros, chuveiro, tudo o que utilizaríamos alguns dias depois, fugindo de um temporal.

Ilha do Catimbáu e a Comprida, logo atrás

 Depois de um mergulho no mar azul, seguimos para o Saco do Mamanguá, passando pela Lagoa Azul e o Saco da Velha. No começo da noite encontramos uma praia para pousar. Antes da viajem tínhamos a dúvida de como seria dormir por ali. Será que seríamos bem recebidos? Haveria restrições nas praias particulares? Bom, impossível ser mais bem recebido. Nesta noite dormimos embalados na prosa do Benedito e da Maria, e o dos cães Roy e Tigresa, que dormiram encostados na barraca.  E de repente os gringos, o agito de Paraty e o asfalto haviam ficado para trás. Entramos na cultura híbrida do povo local. Das suas histórias e sabedorias.

O Saco do Mamanguá

Paraty ficou isolada do Brasil, por terra, até a década de 50. Quando foi construída a Estrada Paraty-Cunha, sempre precária. A Rodovia Rio–Santos só saiu na década de 70 (viajei nela com meus pais, quando ia boa parte pela areia). Por isso toda a região da Juatinga, que compreende esse trecho que navegamos, ficou preservada culturalmente. Não há luz, se não por energia solar, ou geradores. Vida roots. E vimos morador bater no peito e dizer: “sou caiçara!”.

 Saco do Mamanguá, na Reserva da Juatinga, Paraty / RJ
 
Acordamos de frente para o Pão-de-Açúcar do Mamanguá, uma montanha de 400m, com um cume rochoso e marcante na paisagem. Iríamos subir ele apenas no dia seguinte, depois de percorrer o canal inteiro. O Saco do Mamanguá é considerado o único fiorde brasileiro. Tem 8 km de extensão e aproximadamente 1 km de largura. O seu extremo é formado por mangues e rios cristalinos, que levam rapidamente a cachoeiras adentro da serra do mar.

Começamos o dia na maior velejada e assim percorremos toda a extensão do Saco. Era a estréia da vela do Ruddy. E que estréia, hein? Seu modelo é com mastro e retranca e a minha é uma vela em V (universal). Funcionou bem, num certo momento clipamos os caiaques, transformando eles em um catamaram. Um maluquinho conduzindo “outro” veleiro veio em nossa direção aplaudindo e gritando eufórico: “Demais! Á vela de vocês, é clássica, é clássica!”. E fomos delirando no vento, no sol, na paisagem e na paz, até o encontro com a bela cachoeira, rio acima, no pé da Serra do Cairuçu, para tirar o sal.

Velejando com os caiaques em forma de catamaram. Ótimo desempenho

Passamos a noite na Vila Cruzeiro, aos pés do Pão-de-Açucar do Mamanguá, no camping do Pastor Orlando. Chegamos sem ninguém por ali, só pela manhã fomos conhecer o cara que desbancou o coreano. Quem ouviu falar da história sabe. Acho que só o próprio Orlando para contar o porque, quem e como explodiram a casa do..., como falava o Benedito: “coroâno”!.

Dali parte a trilha para o cume. Cerca de uma hora de caminhada e se chega no topo. Visão privilegiada. Foi muito legal subi-lo no meio de uma viajem de caiaque. Bom para as pernas, para o cardiovascular e para ver de cima por onde navegamos. Um presente. Lá foi o único lugar que tivemos sinal de celular. E depois de dar um oi em casa, nos conectamos a Internet e tivemos a certeza de que o clima ia mudar, e logo. Uma frente fria se aproximava. Mas uma janela de bom tempo vinha em seguida e isso fortaleceu o projeto de escalar na Pedra do Baú, antes de voltar para casa.

 
 Cume do Pão-de-Açucar do Mamanguá

Voltamos em dois dias de chuva e um pernoite, na Ilha do Catimbáu. Navegação e velejada num vento enjoado e numa paisagem cinza, bem diferente a da chegada. No final do segundo dia da volta, partimos para a São Bento do Sapucaí. Estávamos felizes por ter estado ali. Aprendemos muito nesses quatro dias de remo e vela, em Paraty.

Do mar para a montanha

Fazer a transição do mar para a escalada não foi fácil. E o Baú instiga a vertigem. Mas contornamos os medos e chegamos escalando nos cumes do Baú, Bauzinho e Ana Chata. Sabor especial para o parceiro que apesar de viajante rodado e escalador nato, não conhecia a Pedra do Baú.

Via Normal do Baú, segunda cordada

 Conclusão: depois de remar e conhecer a região, concluímos que Paraty não tem o clima selvagem que temos nas águas das baías do Paraná, mas ela tem uma água cristalina que aqui não temos. O povo local é tão gente boa como os daqui. São uns shows à parte. Quanto a  remar e escalar na mesma trip, foi ideal! Agora vamos pensar em fazer primeiro a escalada, para depois relaxar no remo e na vela.

Pedra do Báu, Serra da Mantiqueira, São Bento do Capucaí / SP

 
Valeu, Ruddy!
E a família que sempre nos apóia.

É NOISE!

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

1000 kms em Caiaques pelas Baías Selvagens do Paraná

Fotos: Ruddy Proença, Dennis Julian, Ermínio Gianatti, Jefferson Rodenwald e Ingo Möller.
Texto: Dennis Julian


O estado do Paraná tem uma divisão bem marcante no seu litoral. Está praticamente repartido no meio. A metade sul foi tomada por municípios e balneários. E a metade norte ficou preservada. Tanto na parte ambiental, como cultural.
Descobri este paraíso primeiro pedalando, depois indo de moto e vez ou outra da janela do avião. Cada vez mais com a certeza de que ali era “o lugar”. Mas precisava ir para a água. E foi lendo um livro do Paulo Leminski, Distraídos Venceremos (e também lembrando da Pedra do Baú), que este dia chegou.

Pensei em reservar para a vida, quando já não agüentasse mais subir montanhas com minhas próprias pernas, a remada e a vela. Mas bem antes disso, que sorte por sinal, sentei num banco de caiaque e parti para a primeira trip.

Nessa, graças à tecnologia, estava em um caiaque equipado com rádio marítimo VHF, GPS, barômetro, termômetro, biruta, banheiro (uma garrafa pet), radinho com música e muito espaço para carga. Mas o equipamento que até hoje mais se destaca nesta embarcação (se falar só “caiaque” fica pejorativo), é a vela. Cerca de 35% desta aventura de 1000km, foi concluída velejando. Tiveram dias que velejamos 25 km.

Outro suporte fundamental foi a Internet (Google Earth), trabalhando junto com o GPS. Sem ele com certeza não faria o que fiz. Através dele também conseguíamos medir as distâncias. E com anotações saber o quanto rodamos. Tudo está registrado em fotografias.


No mar

A expedição, de contexto recreativa exploratória, começou em Antonina, em 2010. Diversas ilhas, rios e a parte oeste da Baía de Paranaguá, foram se desvendando. Ali se forma um verdadeiro parque litorâneo, de frente à cidade. A visão das montanhas nessa região é fantástica.

Entre as aventuras por ali: descemos e voltamos de Morretes à Antonina, pelo Rio Nhundiaquara. Também o Rio do Nunes, Rio Cachoeira e Rio Cacatu, todos ida e volta, desde Antonina. Criamos o Circuito Central de Antonina, que parte da Ponta da Pita, rumo as Ilhas do Teixeira, Gererê e do Lamins. Voltando pelas vilas Eufrasina, Europinha e Ilha da Ponta Grossa, no total de  27km. Circuito exigente e preferido para os  treinos de um dia.

Logo descolei mais um caiaque para poder convidar os amigos. Com o Ermínio Gianatti  partimos de Pontal do Paraná (com um mar horrível) para a Ilha do Mel. De lá para a Ilha de Superagui e depois até Guaraqueçaba, onde desisti com lesões. Voltei na região com o Ruddy Proença. Mas desta vez partimos do Rio Tagaçaba e fomos, numa viagem de uma semana, até a boca do Canal do Varadouro. De lá voltamos visitando a Baía dos Pinheiros, a RPPN do Sebuí, Guaraqueçaba, os Rios Serra Negra e Asungui, a Enseada do Brito e a Serra do Tromomó.

Com o Jefferson Rodenwald, que já tinha experiência no mar, mas não em caiaques, demos a volta na Ilha do Mel, em 9hrs (30km). Circunavegação casca grossa devido à condição do mar. Foi PUNK e o parceiro se superou. Encontramos vagalhões de mais de 2 metros, perto da Gruta.

Dessa já emendamos mais um giro de uma semana. Partimos de Paranaguá rumo a Ilha de Superagui, e de lá voltamos, só que por Guaraqueçaba. Visitamos a Ilha do Pinheiro (casa do papagaio-de-cara-roxa), a Reserva do Sebuí, a Ilha Rasa, a da Banana e as enseadas do Itaqui e do Tambarutaca. Realizei mais três viagens sozinho, de uma semana cada. Dias intensos de muito aprendizado e superação. Vendo minhas inexperiências se tornando experiências.


Roubadas. O que mais pegou?

Foi na trip que finalizou os 1000 kms, que vivenciamos a pior roubada. Estávamos chegando na Ilha da Banana, para o último bivaque. A correnteza estava muito forte. Arrastava para o mar aberto e já estava quase à noite. Olhei para o GPS, faltava somente um quilômetro. Quando olho para o caiaque do parceiro, vejo que está virado. Foi uma luta o regate. O problema aconteceu no equipamento, por pouco não nos demos mal. Graças à calma dele e a nossa determinação, chegamos em terra. Ufa!

As questões mais difíceis de lidar nessa região, independente da técnica de navegação (resgate, etc), são os mosquitos e o calor do verão. Algumas porções selvagens e pouco habitadas, tornam o isolamento outro fator. 

O pior “ser vivo” que existe ali é o mosquito “porvinha”. E o melhor é o povo local. Que leva uma vida pacata, sem pressa. É acolhedor e prestativo. Sempre nos recebendo com sorriso. Convidando para um café. E sedentos para ouvir nossas histórias (roubadas). Mas são eles os grandes mestres deste mar. Que cantam em prosas e trovas no “fandango”, suas histórias para nós. 

Um dia me pego lembrando de um veado, que flagrei ao longe tomando água na praia.
Outro, de um cachorro-do-mato, que vimos fazendo o mesmo à noite.

Mas escolho, para fechar essas recordações, a lembrança do amigo Elias, que fizemos lá em Guaraqueçaba. E de todo aquele povo de “alma branca”, que vive nesse paraíso. E compartilha dificuldades e satisfações, nesse pedaço de mar. Bem perto daqui.