segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Circunavegação da Ilha do Mel, em caiaques (30kms, 9hrs)

Fotos: Jefferson Rodenwald e Dennis Julian
Texto: Dennis Julian
Máquinas: Celular 5830Nokia e Canon Aquática


Antes da volta
Acordamos na casa de um amigo. O dia de sol e uma dupla de caiaques de fibra, sugeriram uma aventura.

- Levamos os caiaques desde a Prainha, até a Praia de Fora. E vocês trazem de lá, para cá. Topam? – indagou nosso amigo.

À parte deles foi simples. Partiram de uma praia calma, secos e nos entregaram os caiaques numa praia cheia de arrebentações e na areia (Praia de Fora, em Encantadas). Nós tivemos que partir dali. Na primeira onda meu caiaque encheu de água (estava sem uma tampa de vedação), perdeu muita sua instabilidade e afundou no mar. Só restou uma pontinha para fora, onde  segurei, agarrado ao caiaque do meu amigo. Que me rebocou.

Estávamos justo na frente da gruta, no pior mar do Paraná. Ele, talvez pela inexperiência em aventuras como essa, deu tudo além de si, para lutar contra a corrente. Resultado: acabamos naufragados no meio de umas pedras, onde ele caiu estafado e vomitando. Mas depois de descansados, concluímos a aventura. É, e ainda conseguimos recuperar o caiaque afundado.


Anos se passaram até que adquiri o meu primeiro caiaque de “verdade”. E a Ilha do Mel? Sempre nos planos.

Fui sozinho, entrei no canal vindo de Pontal do Sul, rumo a Ilha do Mel. Obviamente o mar estava daquele jeito. Cheguei até a bóia de passagem e numa ação errada, consegui capotar (virei na água) o caiaque justo na frente de um navio. Incrivelmente, com muita calma, me safei e voltei a bordo. Uma barca de passageiros ficou assistindo tudo. Quiseram prestar socorro, do qual neguei, por desconsiderar necessário. Tava tudo bem, apesar do susto.

Ainda tive outra experiência radical nesse canal, junto com o outro colega. Quando partimos de Pontal, até Guaraqueçaba, via barra do Superagüi (encrenca total). O vento sul rugia na nuca e no ouvido direito. Nessa, fiquei até em “pânico”. Não queria comer, fiquei mal. Com os olhos arregalados. Uma comédia.

Dar a volta da Ilha era um sonho, um plano, uma meta. E com as remadas que se sucederam, tornou-se real.

Em agosto de 2012 realizamos a circunavegação da Ilha do Mel de forma perfeita. Aventura que nos exigiu todos os conhecimentos e nos somou mais um milhão deles.

O parceiro desta empreitada foi o Jefferson Rodenwald. Ele nunca havia realizado travessias e ainda por cima tínhamos um problema. O tamanho dele em relação ao caiaque. Outros imprevistos conseguiram secar ainda mais nossas bocas antes da partida. Mas, fomos!

E começa a volta


No primeiro dia apenas atravessamos para a Ilha. Aportamos em uma praia completamente selvagem, ao lado da Praia do Belo. E não chegamos sozinhos. Bandos de papagaios-da-cara-roxa, chegaram com a gente, em casais, e naquela algazarra. Os biguás, gaivotões, siris..., “os porvinhas” e outros mosquitos, chegaram também. Apesar disso uma fogueira, uma música e um bom vinho fecharam a noite.

Pouso perfeito. E um dia de sol começou a se despertar por trás da névoa que pairava sobre o Canal. Nesta praia, logo que chegamos, encontramos umas mesas de plástico e umas cadeiras. Que nos deram um conforto imenso. Nesse luxo, tomamos um café da manhã de gala.

Hora de ajustar o equipamento, equilibrar os pesos, ajustar a vela.


- Simbóra, man? Tá tudo certo, está confiante? Teremos que remar mais de 7km, até encontrar uma praia sem ondas que a gente possa parar. Você está ciente disso e de suas condições. Vamos?
- Ok, meu camarada. Foi! – disse ele muito empolgado, mas de acordo com a responsabilidade.


Partimos para uma circunavegação, no sentido anti-horário, da Ilha do Mel. Logo que saímos passamos por umas ondulações confusas, que vinham de todos os lados. Nisso vimos um pescador, vindo de fora do mar em nossa direção, numa canoinha, em pé. Isso nos passou confiança e fomos em sua direção.

Ele rebocava um peixe, muito grande. Que julgamos pesar cerca de 300kg. Do tamanho de dois homens abraçados. Um Mero? O pescador disse ser um “garopão”. Ele tava “adrenadásso” e com medo que a gente fosse da polícia. Algumas fotos que tiramos mostram essa cena. Talvez o seu maior prêmio como pescador, seja o seu maior crime também (para a lei).

Logo depois disso, já mais relaxados..., quase caímos para trás. Em poucas remadas o mar cresceu. Vagalhões de dois metros, dois metros e meio, jogavam a gente para cima e para baixo. Lembrei que foi justamente ali que afundei o caiaque naquela experiência. Será que esse é o nosso Cabo Horn, no Paraná? A nossa Ponta da Joatinga?

O pior é que agente olhava na direção do nosso rumo e via uma muralha de mar e arrebentação. Uma coisa sinistra e incompreensível.

- Será que vai rolar? Vixxe, Mar Ilha!

Nisso vimos um barco vindo do meio dessa batalha. Com gestos mostramos a direção para eles, pedindo que nos confirmassem a passagem. Eles gesticularam “ondas altas” com os braços. Mas incentivaram. Pois naquele momento a gente tava no mais crítico, voltar seria “quase” pior. Fomos e vimos outro barco vindo. Sendo açoitado pelas ondulações. Mas nos encorajando ainda mais em seguir a rota.

- Uhuuuuu. “Put keep are you”. Conseguimos. Dáá-le!


O mar acalmou um pouco, agora era concluir a volta. À distância percorrida até aí era pequena. Mas a maior dificuldade havia ficado para trás. Estávamos em frente à Ponta da Inhapina. Então vieram as praias do Miguel, de Fora, do Farol, do Forte e o primeiro descanso com os pés em terra, o único da circunavegação. Foram 15 kms até aí. A metade e também a parte mais difícil.

Desembarcamos em frente de uma sede abandonada da Marinha. Estremo norte da Ilha, de frente para a Ilha das Peças. Como usamos caiaque com velas, esse trecho foi bastante agradável, com um vento perfeito para o velejo. Percorremos uma boa distância e rapidamente voltamos ao Canal da Galheta. Era o pôr-do-sol. Estávamos na vila Ponta Oeste, da Ilha do Mel. Compramos cerca de 30 ostras, colhidas naquele momento por umas pescadoras e rumamos em busca de uma parada.

Não saía da minha cabeça o conforto da praia selvagem de onde partimos. Suas cadeiras, a mesa, os papagaios. Mas para chegar lá tínhamos 8km de remada, no escuro. Nesse trecho estivemos próximos de um acidente. O velho risco de atropelamento por outras embarcações. Mas era um dia exclusivo para vitórias. E para nos saldar o mar aumentou a força do vento que vinha contra e a altura das ondas. Isso bem no final. Apenas para mostrar que a força da natureza é eterna. E é isso que nos faz forte.

Que remada sensacional. Alguns peixes-agulha pularam para dentro do caiaque. Salvei todos. Se a vitória é nossa, é deles também. Não suportava vê-los agonizando já que não tinha idéia de comê-los. E assim concluímos a volta em 9hrs, na mesma praia.


No total percorremos 30km de circunavegação. E o mérito ficou em grande parte para o meu companheiro, que com muito pouca experiência, completou a volta de forma brava.

Valeu parceiro e quem vai ser o próximo a encarar uma igual com agente?

domingo, 19 de agosto de 2012

Canoagem: alguns shots de trips nas baías do Paraná

O mar calmo da manhã dá inicio a mais uma saída ao mar, tendo ao fundo a Serra da Prata. Baía de Antonina / PR. Foto: Ingo Moller
 
Começando o dia na vela pelo Rio Superagui, no rumo de Guaraqueçaba. Parque Nacional do Superagui / PR. Foto: Ermínio Gianatti
 
Vento perfeito para relaxar o remo e passar a velejar. Baía de Antonina / PR. Foto: Ingo Moller
 
 Contornando pela frente da Vila Europinha, uma dos mais charmosos povoados do litoral do Paraná. Baía de Antonina / PR. . Foto: Dennis Julian
 

Bivaque na Enseada do Brito. Antes da subida dos Rios Serra Negra e Asungui. Guaraqueçaba / PR. Foto: Dennis Julian
 
 
Bóia na partida da Ponta da Pita, ao fundo dois navios carregando grãos no Terminal do Félix. Baía de Antonina / PR. Foto: Jefferson Rodenwald
 
Baía do Sebuí - Guaraqueçaba / PR. Foto: Ruddy Proença

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

De caiaque, nas baías selvagens do Paraná


Texto: Dennis Julian
Fotos: Dennis Julian, Ruddy Proença e Ingo Moller
Máquinas: Nikon (water resist), Sony A-200 e telefone celular.





A cada onda que domava, era golpeado por borrifos de água na cara. O caiaque se debatia entre as ondas e o vento. Aplicava uma força intensa nos remos, mas minha velocidade não ultrapassava de 2km/h. Cruel para uma travessia como aquela. Pelo cálculo do GPS, ainda demoraria 3hrs para chegar em terra. Muito tempo exposto ao mar e aquelas condições. Mas eu persistia.

Levantei cedo para aproveitar a correnteza da maré. O objetivo, nesta perna da viajem, era concluir a travessia Antonina / Guaraqueçaba (54 km), em quatro dias. Estava sozinho. Eu, muita água salgada, botos-cinza, tartarugas, atobás, colelheiros e a “sonzêra” rolando no ouvido. Mas naquele momento isso passou para um segundo plano. E só me concentrava em “chegar”.

Estava pela primeira vez atravessando o Saco do Tambarutaca, parte norte da Baía de Paranaguá. O vento que eu encarava de frente era o nordeste, que sopra em dias quentes a partir da tarde. Trazendo o que tiver pra trazer. Tempestade com raios, rajadas, ondas. O que tiver na rota. É um vento temido pelos pescadores. Comprovei isso numa atitude desesperada.

Sabia que já havia ido além das minhas expectativas para aquele dia. O que era para ser uma navegação tranqüila, se transformara numa guerra há horas. Então vi uma canoa com dois pescadores vindo em minha direção. Estavam a favor do vento e das ondas. Pedi ajuda já mostrando um cabo para o reboque. O pescador gritava, dizendo ser muito arriscado parar ali. Tinha medo que uma onda o encobrisse pela popa e se foi. Muito rápido, como o vento.

Então, compreendi a situação.

Ou seja, só me restava resistir e cumprir o meu turno de trabalho, pacientemente.

Desta maneira cheguei em terra, próximo a Ponta da Cruz. Apenas 1km da Ilha da Banana, meu objetivo. Que não consegui atingi-lo. Cheguei a tentar, mas o vento e o mar não deram trégua. Estava esgotado física e psicologicamente. Sentia-me sozinho. Hora de se acalmar, se alimentar, hidratar-se.

A tempestade que o vento assoprava em minha direção, havia se dissipado e o sol voltou. Encontrei uma casa de pescador abandonada e armei minha barraca - principal proteção contra os mosquitos. Mesmo com a situação controlada, não resisti ficar. Sentia-me isolado, numa imensidão selvagem. Precisava me preparar melhor para voltar mais forte.

Desmontei o acampamento, arrumei tudo no caiaque e voltei pelo mesmo mar. Talvez um pouco mais calmo, mas desta vez a favor do vento e das ondas. Neste dia somei  43 km navegados. Umas dez horas na labuta do remo.

Não havia desistido desta travessia e uma semana depois estaria lá, novamente. Só que desta vez dormindo na cova do excepcional bloco de bolder, na Ilha da Banana. Mais uma vez sozinho, mas muito feliz e seguro de si.

Canoagem

Comecei navegar em caiaque, em 2010. Num verão chuvoso que mal dava para pensar em escalar. Desde o começo, criei uma relação entre a canoagem e a montanha. Sempre buscando represas, rios e baías próximas a Serra. Minha principal motivação sempre foi conhecer lugares selvagens. A fauna, flora e cultura local. Cantinhos que só se chegam por água.

Uso um caiaque de plástico rotomoldado, estilo “pesca”, com fins únicos para exploração. Sua capacidade de carga ultrapassa 150 kg. Ótimo de estabilidade e equipado com vela. Cerca de 25% desta viajem foi realizada somente na vela. Diríamos: um micro-veleiro ou um super caiaque.

Um rolê nas baías do Paraná

Nesta temporada negociei com a “patroa” o alvará de soltura solicitado para as escaladas no sul. Viajaria o mesmo período que estaria lá, só que por aqui. E assim cumpri, no prazo de um mês, 350km de navegação pelas baías de Antonina, Paranaguá e Guaraqueçaba. 

Foram três etapas, intercaladas com voltas para a casa. Vinha estudar novas rotas, ver a família, dar uma folga na solidão e descansar dos pernilongos.

Carregava o GPS de “waypoints” e voltava ao mar. Para conhecer de perto tudo o que planejava na tela do computador. Esse vai e vem ajudou na aclimatação. Cada vez que lá voltava, embarcava com mais respeito e humildade. E o resultado disso foi: força!

Passei 12 dias viajando sozinho. Até que numa dessas voltas adquiri mais um caiaque. Então pude convidar o parceiro Ruddy Proença para a próxima etapa. Agora podíamos ir a fundo na exploração. Meu amigo, sempre motivado, insistia em conhecer as regiões mais selvagens da Baía de Guaraqueçaba. E assim ficamos viajando por cinco dias nesta região. Finalizando a exploração da Baía de Paranaguá e de suas principais entranhas.

Nesta “trip” partimos de Tagaçaba, descendo o rio com o mesmo nome, até a Enseada do Benito. Cruzamos esta e toda a Baía de Guaraqueçaba, até atingir a Baía dos Pinheiros. Trecho marcado pela presença de dois “furados” - canais que formam um labirinto exigindo conhecimento de quem os atravessa. Contávamos com a ajuda de um GPS.

Na primeira noite pousamos na Ilha do Pinheiro, 35km de onde partimos. Fomos lá ver de perto o papagaio-de-cara-roxa (Amazona brasiliensis), pássaro em extinção, que por ali vive em bandos. Depois seguimos para o Rio Sebuí. Uma reserva particular vigiada pelo Seu João. Pessoa incrível, patrimônio cultural e científico local. Ele nos contou em forma de poesia e de cantigas de fandango, histórias de bichos que vivem naquelas encostas quase que primárias de Mata Atlântica. Mostrou a pegada da onça e nos indicou o caminho das cachoeiras, da qual me nego dar dicas. (rsrs)

Finalizamos esta perna da rolê com 150km vencidos, em condições favoráveis. Visitamos ainda a Serra do Tromomó, onde namoramos por horas a sua parede. Subimos parte do Rio Serra Negra e Açungui, até onde não foi mais possível remar. Ficamos esses cinco dias com os celulares sem dar algum sinal, “fora da área de serviço, ou desligados”.

Alguns lugares visitados nestas expedições: Ilha do Barba, Ilha do Teixeira, Ilhas do Lamim, Ilhas Gererê, Ilha da Banana, Ilha do Corisco, Ilha do Amparo, Ilha do Pinheiro, Ilha Ponta Grossa, Ponta da Cruz, Rio Nhundiaquara, Rio do Nunes, Rio Cacatu, Rio Açungui, Vila Europinha, Vila Piaçagüera, Vila Eufrasina, Vila Tibicanga, Vila Canudal, Vila Bertioga, Praia do Ubá, RPPN do Sebuí e RPPN do Tromomó.