segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Bivaque na C.E.R.J. (premeditado ou não...)

Um bivaque a 2000m de altitude numa noite muito fria onde o vento não deu uma pausa, mas os deuses estavam a nosso favor.

A primeira vez que fui a Salinas, foi em 1994. Escalei de segundo as vias Leste, C.E.R.J., Pelegrini e Arco da Velha, me senti completamente despreparado, os rapeis no Pico Maior foram pela Sílvio Mendes à noite segurando uma lanterna na boca (nessa época nem sonhava com uma head-lamp), babava sem parar. Depois disso voltei para lá mais quatro vezes, todas acompanhados de parceiros bastante experientes e preparados, coincidências ou não, nas exceções que escalei com parceiros nem tão preparados as aventuras foram para valer.

Julho de 2007: viagem marcada, compras feitas, a barca completa..., vamos para Salinas. Nesse ano li muitas matérias sobre rapelar na Cidade dos Ventos ou Silvio Mendes, bivaques e mais bivaques no cume, uma dupla presa na via Intocáveis, etc, uma centena de histórias geniais de escaladores e aquelas montanhas. Isso fez eu me preparar melhor já que na última vez que estive lá em 2005, tinha vivido fortes emoções ao me perder no rapel da Cidade dos Ventos em meio a muita neblina, vento, frio e a escuridão da noite, mesmo já tendo rapelado ali diversas vezes.

As circunstâncias.
Para essa viagem, com tantas histórias na cabeça, as preocupações foram inicialmente com a roupa: adquiri uma calça underwear (x-alguma coisa), uma calça de educação física costurada nas barras para impedir a entrada do vento, uma blusa de pile, um colete de nylon com gorro e um anorak (muito velho, mas devidamente impermeabilizado), duas meias e uma toca..., “só”. Tudo isso não ocupava espaço na mochila nem peso, já que boa parte estava em meu corpo, finalmente comprei (pela primeira vez) uma manta térmica (R$11,00), que é um pouco maior que um Club Social (bolachas). Acho que estava premeditando uma roubada, ou, por sorte ou medo, me preparando para ela.

A escalada.
Fomos para a C.E.R.J. que em média eu levava 2:30Hrs para escalar, começamos lá pela uma da tarde atrás de duas duplas bem lentas, final das contas acabamos no buraco (platô) depois do artificial, eram 18:30Hrs, como meu companheiro estava ali pela primeira vez fiquei com medo de escalar as duas últimas cordadas à noite e em simultâneo e como sabia que estávamos bem, convidei-o para dormir ali..., no perrengue (aiaiai).

Fazia bastante frio e era só o começo, o vento era muito forte e não dava brechas, mas o céu azul e estrelado se mostrava amigável. Nos alimentamos e hidratamos bem e demos início a espera da longa noite, onde a paciência e o controle emocional seriam fundamentais. Foi uma linda e longa espera, completamente estrelada, que como todas acaba em dia, mas por alguns momentos pensamos que esse dia não chegaria, tínhamos a quase certeza de estarmos bem, porém a possibilidade de hipotermia existia, mesmo assim persistimos. Foi um magnífico nascer-do-sol e um final de escalada inesquecível. Víamos os campos geados do Mazacaro e nos perguntávamos que temperatura havíamos suportado (da minha parte quase sem sentir frio).

... e aê, valeu ?
Aprendi algumas coisas nesse bivaque como: estar preparado é um sinal de respeito à montanha, peso não é luxo e um bom equipamento deve ser leve e eficaz, para se escalar uma via como as de Salinas deve-se pensar em escalar uma montanha e não somente uma via por mais 4º grau que ela seja e o principal músculo nessa escalada é o cérebro (é claro que o preparo físico é fundamental), o relógio foi o melhor termômetro para avaliar nossas condições (já que estávamos ali por opção e poderíamos escalar a noite ou rapelar) e um ombro amigo é fundamental nessas horas, pensei em como seria estar ali sozinho. Algo que esqueci foi um aparelhinho de MP3, uma música ou uma FM podem ajudar a distrair e enganar o tempo que é no mínimo 100 vezes mais lento, algo que lembramos foi à manta térmica..., “santa manta”.
Essa foi nossa experiência. Enquanto voltávamos para a barraca imaginei um dia dormir sentado em uma cadeira para fora de casa, numa noite fria e gelada só com a roupa do corpo. Acho que seria mais difícil do que estar ali naquele bivaque, pois estávamos escrevendo mais um capítulo de nossas escaladas e isso foi apenas mais um tempero (apimentado), mas não ignoro que situação não deixou um trauma maior, porque estávamos realmente preparados.

A linha da via e o local do bivaque.


Marcelão vindo na segunda cordada.


A terceira cordada C.E.R.J.



Começando a sexta cordada,
uma das mais bonitas da via.




Visual do Platô do Sorvete.



No bivaque..., tá tudo bem. Sentadinhos esperando
a novela começar !!!



A hora mais fria foi o momento em que o
sol estava nascendo.




O nascer do sol as 6:27 a.m., "tudo vale a pena" !!!
Que alegria !!!




Marcelão no final da via.



No alto do Capacete perto das nove da manhã.
Ainda fazia muuuito frio !!!




Cume..., mais uma vez ali e mais páginas escritas
no diário de aventuras. Paz nas montanhas !!!
... çavá çavá. Essa foi boa !!!